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20 junho 2017

Caminhos - Capítulo três

Postado originalmente em 13/09/15:



A morte, mas não dela e sim de seu prometido. Há dois anos mais precisamente minha irmã fora prometida a Albert Hungerford. Não se gostavam, entretanto, a união dos dois iria aumentar muito o poder, o prestigio e principalmente o dinheiro dos Berkshire e dos Hungerford. O jovem era um garoto um ano mais velho que minha irmã na ocasião.

Tinha quinze enquanto que Ana Bel catorze. Ele tinha o cabelo castanho, olhos da mesma cor, era uma cabeça mais alto que minha irmã e tinha as faces rosadas. Não era má pessoa nem tão pouco fútil e vazio como eu pensava de início. De fato, tinha inclusive uma boa vontade para ajudar quem necessita-se, mas isso só fomos vendo com o tempo.

Ana bel não queria isso para sua vida sempre sonhava em ser dona de si mesma e não se via no papel de mãe e esposa. Infelizmente a sociedade não lhe permitia fugir disso. Tão pouco o compromisso do casamento firmado entre minha mãe e os Hungerford. Então no fim das contas não tinha muito que poderia ser feito. Tentei ajudar ela conversando com minha mãe, mas de fato isso já estava decidido.

Ele começou a frequentar nossa casa assim como seu pai e mãe (que já faziam isso há algum tempo) e com o passar dos dias Ana Bel foi se afeiçoando ao moço (ao passo que este já tentava cativar a jovem desde o primeiro dia em que se viram). Penso que aos olhos de minha irmã era estranho ver o quanto ele rogava bem a ela e ela por sua vez lhe oferecia uma atenção calculada, educada e fria.

Um episódio particular pôs um fim (infelizmente) a essa relação. Antes é válido dizer que quando ambos completassem a maioridade se casariam. Não faltava muito para isso haja vista que o episódio se deu há um ano (depois dos dois terem convido antes por doze meses). Fomos minha mãe, Ana Bel, seu noivo e eu para uma chácara ao norte. Um belo lugar arborizado, com plantas de topo o tipo que ilustravam uma flora riquíssima que pareciam sorrir ante nossos olhos conforme eram banhadas pelos belos raios de sol do dia.

Sim fazia sol e o céu estava azul sem nenhuma nuvem. Iríamos ficar na chácara o dia todo. Chegamos bem cedo como hoje e de manhã andamos a cavalo — O futuro noivo de Ana Bel era muito bom cavalgando. Graças ao polo que aliás ele jogava como ninguém.  Era de fato muito bom. Depois almoçamos e durante a refeição notei que Ana Bel estava menos intrincada para com Lorde Hungerford. Quando acabamos ela me confidenciou no corredor que estava vendo o rapaz com outros olhos.

Brinquei com ela e disse que finalmente depois de tanto esforço o moço havia chegado em seu coração. Minha irmã corou e eu disse que ela não precisava se vexar afinal a vida era assim mesmo. Nessa hora o jovem chegou e juntou-se a nós (Ana Bel ficou ainda mais vermelha, mas se o seu prometido notou não disse nada) ele a chamou para dar um passeio. Ela topou e foram juntos caminhando.

Fiquei feliz por ela era tão bom saber que finalmente estava aceitando ele. Finalmente poderia construir uma vida boa e próspera, pois o garoto tinha condições para ser um ótimo marido. Tanto moral como financeiramente falando. Sua família era dona de uma grande frota de navios que exportavam e importavam todo o tipo de coisas. De seda chinesa a pimenta brasileira. Logo ele iria assumir os negócios da família e administraria bem a fortuna que com certeza iria herdar integralmente por ser filho único.  

Fui para meus aposentos e lá fiquei a ler um bom romance quando o silêncio que eu estava cultivando foi cortado por um chamado de desespero: — Socorro. Sai em sobressalto e corri na direção do chamado. Era no lago que havia próximo a chácara minha mãe correu comigo e depois de alguns metros achamos eles: Ana Bel e Albert.

Ele em choque se debatendo, tossindo muito e espumando pela boca e nariz. O desespero tomava conta de seu ser e tornava o garoto um ser grotesco. Nada parecido com o que ele algum dia já tinha sido. Não era para menos estava morrendo corri em sua direção e vi que tentava respirar, mas o ar lhe faltava.

Sem nem mesmo pensar comecei a contrair minha mão em seu tórax — Sim ele tinha se afogado e só Deus sabe como Ana Bell o socorrera. Ela não sabia nadar e estava em estado de choque. Chorando em demasia e soluçando muito e totalmente ensopada. Fiz meu melhor enquanto nossa mãe a abraçava. Apertando-lhe enquanto dizia que tudo ia ficar bem mesmo sabendo que não.

À medida que eu tentava expelir a água de seus pulmões e expulsar a mesma mais o menino parava de reagir. Até que mostrou indiferença a meus esforços quando parou de se contorcer. Suas pálpebras se fecharam e ele empalideceu. Jazia morto. Minha irmã não aguentou e explodiu em lágrimas, berros e dor.

Os dias se passaram e ela não saia de seu quarto na mansão Berkshire. Quando entravamos não falava e quando saiamos tão pouco. O velório chegou e toda a sociedade prestara condolências.  A mãe inconsolável, o pai imerso na tristeza, minha mãe e eu em igual. Minha irmã era amparada por todos, entretanto nem assim falava.

Passado o velório veio o enterro em um belo lugar com campos verdes, árvores grandes e fortes e estatuas lúgubres de pessoas. Ainda era possível ver figuras de anjos que pareciam olhar com pesar e comoção para a dor das pessoas. Lá ainda se encontravam grandes e espaços jazigos perpétuos de mármore negro e lápides de bronze. Eu juntamente com alguns colegas de Lorde Hungerford e seu pai carregamos o caixão de mogno que era cravejado de pedras preciosas com alças e crucifixo de ouro.

Minha irmã novamente não falava e agora apenas chorava externado a sua dor e lutando para manter o silêncio. Não podia imaginar que o menino havia tocado tão fundo em seu coração ao ponto de fazer com que sua ausência tornasse minha irmã a sombra do que ela foi um dia. Começou a chover quando a marcha fúnebre tocava e assim foi até o fim do dia. Ele fora enterrado em uma segunda-feira.

Passada a missa de sétimo dia minha irmã finalmente começou a sair do quarto. Fazia as suas refeições conosco e começava a esboçar um sorriso nos lábios quando eu lhe contava anedotas. Aos poucos foi se recuperando e vi que estava voltando a ficar como sempre fora: alegre e divertida. Os dias começavam pouco a pouco a ganhar mais cor e vida. Ninguém tocava mais no assunto.
Porém na ocasião depois de passado o choque inicial tudo o que ela se limitou a dizer a respeito das circunstâncias do ocorrido foi: “Ele entrou na água queria nadar. Eu não quis, ele se afogou e eu tentei salvá-lo mesmo sem saber nadar”. Todos que ouviram isso inclusive o legista acreditaram. E isso foi comprovado, mas ainda assim eu poda sentir que ela se culpava. Não fora sua culpa, todavia quis dizer isso inúmeras vezes e confesso que me acovardava. Não podia mexer em uma ferida aberta. Só que agora eu já sentia ela bem mais dona de si e desta convicção. Sabia que não precisava falar mais nada, porém ainda assim falei:

— Se quiser conversar eu estou aqui.

Estávamos na sala de estar de nossa mansão quando disse isso. Um grande salão com móveis de madeira maciça. Uma lareira a nossa frente apagada, tapeçarias persas no chão, estantes com uma coleção de vasos da dinastia Ming, uma mesa de centro de mogno, e um grande quadro acima da parede com meu pai, minha mãe, Ana Bel e eu protagonizando a pintura em uma posse ereta e séria.  Perto da porta encontrava-se a escada que se estendia em espiral e dava acesso ao segundo piso.  Uma bela casa que infelizmente trazia um ar pesado e melancólico a nossas vidas que agora estava cheias de dor e pesar.

Nossa mãe não estava em casa, pois precisou ir para o centro fazer compras e tentar fugir um pouco de tudo aquilo. Claro que ela queria a companhia da filha que não quis sair apesar da melhora de ânimo. Ela me fitou com seus olhos verdes agora enevoados pela sombra da perda e disse:

— Não sei se posso me abrir.
Eu fiquei abismado e respondi:

— Sabe que pode confiar em mim maninha.
Mesmo vendo que ela apresentava uma melhora e não querendo mexer nessa dor também julgava necessário que ela externasse tudo aquilo desabafando para ter certeza que ela não iria carregar nenhuma mágoa. Era preciso por um ponto final nisso tudo e superar de uma vez por todas o ocorrido. Continuei:

— Diga-me você ainda se culpa?

— No início sim, mas agora começo a enxergar que não, entretanto — Os olhos de minha irmã se inundavam.

— Entretanto o que vou dizer parece loucura mais algo o puxou para baixo.
Fiquei atônito e as lágrimas começaram a escapar das pálpebras de Ana Bel. Como “algo” poderia ter puxado seu prometido para baixo do lago? Então perguntei:

— Mana você pode ser mais precisa?

— Inumano. Era um ser que parecia ser feito de água sem feições e pernas. Era como se a própria água do lago formasse uma figura distorcida de ser humano. Albert tinha me presenteado com esse anel de “olho de gato” que ele comprou a meses de uma cigana vinda do Oriente. Convidou-me para nadar depois disso e eu disse que não era de bom tom, que poderíamos ser vistos. Ele não se despiu apenas tirou o paletó, os sapatos e meias e mergulhou. Disse-me que a água estava ótima. — Minha irmã parou enxugou as lágrimas olhou para o anel e prosseguiu:

— Foi aí que aquela coisa apareceu e o agarrou pelo peito. Ele gritou e eu me desesperei não sabia o que fazer. Gritei por socorro e tomei uma decisão: entrar na água. Ele não estava tão perto do fundo então talvez eu pudesse ajudar e mesmo que não tinha de fazer alguma coisa! Entrei de roupa e tudo e agarrei-o pelo braço. Quando fiz isso à coisa virou sua cabeça para mim. Eu nunca tinha sentido tanto medo. Minha espinha gelo mais não larguei o meu prometido. Disse para aquilo nos deixar em paz e tão rápido como apareceu se foi.  Trouxe Albert para a margem e o resto você já sabe.
Fiquei surpreso com tal relato e de início não sabia o que pensar, contudo, o fato era que Ana Bel apesar de tudo nunca mentira para mim. Por tanto acreditei nela e fiquei abismado com tudo aquilo.

— Obrigada.

— Pelo que?

— Por me ouvir. Tirei um fardo de meus ombros só não conte para mais ninguém. Sabe como é podem acabar me lobotomizando.

Ela sorriu ao terminar a frase e pude ver que estava sendo ela mesma de novo. Nunca descobrimos ao certo o que era a coisa que levara o meu futuro cunhado. Muito embora depois de mais alguns meses achamos um antigo grimório há muito esquecido em nosso sótão que relatava que as almas dos afogados por vezes tornam a seus lugares de morte para levar os vivos. Nefasto? Sim e o pior era que o grimório em questão tinha sido escrito por nossa tataravó Bethany Berkshire. Como ela poderia ser envolvida com coisas assim e ninguém nunca nos contar? Segredos de família talvez. Embora eu pense que ninguém a levava a sério por isso nem se deram conta da existência de algo assim.
Saí de minha lembrança e de volta a situação em que me encontrava pensei: Como pude ser tão tolo? Fiquei tão impressionado com minha visão espectral que nem sequer passou pela minha cabeça que minha irmã poderia se sentir desconfortável indo para um lago depois de tudo aquilo que aconteceu com Lorde Hungerford. Ela não disse nada a mim e nem a nossa mãe. Subiu e eu disse para a senhora Berkshire:

—Vou ter com ela mãe creio que ela tenha se lembrado do finado.

— Sim meu filho vá. — Minha mãe disse com preocupação.

Subi o quarto dela que era ao lado do meu. Perguntava-me a onde estava o meu padrasto que deixou minha mãe sozinha a ver aquela cena. Se estivessem juntos talvez ela nem visse minha irmã chorando e não se preocuparia. Enfim bati na porta e entrei. Acabei encontrado a minha irmã a fitar o lago. Seu quarto também tinha uma janela que dava para ele.  O cômodo ostentava a mesma decoração que o meu.

— Ana Bel você está bem? Perdoe-me por não ter me dado conta de antemão que você não poderia ir ao lago. Fiquei preso em meus pensamentos conjecturando o que poderia ser o espectro que vira que nem pude me dar conta que este lugar poderia lhe evocar memórias.

— Tudo bem. Já passou não fique preocupado mano. Diga-me encontrou algo de anormal no lago?
Ela era dona de suas emoções novamente de modo que achei melhor não tocar mais no assunto “lembranças do passado”. Assim respondi a sua pergunta sem pestanejar:

— Não.

Ficamos os dois quietos por alguns minutos até que descemos e ela mesma disse a nossa mãe que estava bem. Assim a manhã foi embora e a tarde chegou ainda mais fria e com uma repentina tempestade de neve.  Meu padrasto havia sumido para cortar lenha como se soubesse o que iria acontecer. Acendeu a lareira da sala principal e ali ficamos minha mãe a tricotar, ele a beber seu Uísque, Ana bel a reclamar que o dia estava chato e as horas demoravam a passar e eu lendo meu romance.

Estava mesmo uma tarde chata por sorte eu tinha um bom livro para ler. Estava quase esquecendo de minha aterradora visão. A tarde então morreu e a noite chegou com a tempestade ainda caindo e ainda mais violenta. Nesse momento a neve já cobria a porta! Foi aterrador mais estávamos presos! Sim presos minha mãe estava calma, pois tinha trazido muitos mantimentos para a estadia. Meu padrasto também não pareceu se impressionar só nos disse para mantermos a calma.
Logo a neve derreteria com o fim da tempestade, mas Ana Bel começou a esmurrar a porta e disse que morreria de tédio. Pelo menos ela nos divertia. Sai da sala e fui em direção à escada. Subi os degraus e quando fiquei de frente a minha porta no corredor agora iluminado por lamparinas ouvi:

— Saia daqui.

A voz era fria e esganiçada olhei para o lado e no corredor vi a coisa! O espectro de minha visão de mais cedo! Entrei em pânico: Estava preso naquela casa sem poder sair por conta da tempestade e para piorar preso com uma assombração.  Ela veio em minha direção.

Foto: ejablog.com



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