06/09/2015:
Capítulo dois
Corri
em direção à porta não sabia que poderia ver algo daquele tipo. Ossos
descarnados cobertos por um trapo que um dia deveria ter sido um vestido branco.
Assemelhava-se a um vestido, mas bem esfarrapado. Enquanto que na face tudo o
que podia ser visto eram duas orbitas negras, um sorriso amarelo desprovidos de
lábios e um cabelo ralo acima da testa de um louro que parecia até os pelos de
uma espiga de milho. Sem dúvida acabara de ver uma criatura que não era deste
mundo.
Abri
a porta em sobre salto e esbarrei em Ana Bel que saltou um “Ai” graças ao
impacto. Não notei que já me aproximava da escada e quando meus pés tentaram
alcançar o chão me deparei com degraus e logo depois um vazio. Cai de bruços e
só vi minha Irmã correndo em minha direção. Doeu, mas ela me ajudou a levantar.
Vexado e com uma ligeira dor vi a mesma olhar para mim espantada dizendo:
— O que aconteceu? Você está bem? Parece que viu um
fantasma!
Meu rosto devia refletir exatamente a coisa que vi e meus
olhos por sua vez deveriam confirmar. Sem pestanejar respondi:
— Exatamente.
Passado o susto me sentei na cama com Ana Bel ao meu lado
querendo saber o que era que “eu pensaria ter visto”. Perguntava-me como nossa
mãe não ouvira minha queda assim como nosso padrasto, entretanto não podia me
ater a isso. Contei a minha irmã e não sei como não me espantei com seu
interesse. Ela adorava o desconhecido. Ao terminar a história a caçula da
família já se apresava indo de encontro à porta e me convidando a ir ao lago
averiguar a situação.
Nada tinha a se averiguar, pois o fato era um só: vi uma
aberração. Não me sentia confortável com a ideia de ir lá, contudo fui. Precisa
saber como lidar com aquilo e precisava saber mais. Sim era estranho, mas o
medo do susto fora substituído por certa curiosidade. Quando dei por mim estava
na beira do lago e para meu espanto: nada.
Não tinha absolutamente nada de errado com o lugar. O
lago estava cinza e parecia bem maior do que antes. As folhas das árvores ao
redor do mesmo ainda estavam lá cobertas de neve. O chão tinha mais neve e
estava fofo como se alguém tivesse estendido um tapete branco e felpudo por
cima dele. Ainda assim podia-se ver um pouco de terra batida perto das águas do
lago. Estava bem frio podia ver minha respiração.
Fitei o lago por alguns instantes com sua água calma e
tranquila e começava a pensar em o quão ruim poderia ser a vida de um peixe em
um lago. Destinado a passar a vida em um lugar que apesar de grande jamais
seria tão vasto como o oceano ou mesmo um rio. O que faria o peixe senão nadar,
nadar e nadar e ainda assim não sair do lugar. Ao contrário dos peixes dos rios
e dos oceanos que poderiam gozar de uma vida rica em paisagens, variedade de
amizades (desde polvos a enguias quando no mar, peixes de rio nesse aspecto só
teriam outros peixes a ver a se amigar e mais um ou outro ser) e um grande
espaço para se locomover.
No entanto a vida de um peixe de lago seria ainda melhor
que a de um peixe de aquário. Gostaria de saber quem eu era: peixe de aquário,
lago, rio ou mar. Não sabia e o pior não sabia a razão pela qual o espectro se
fora tão pouco a razão de ter aparecido para mim.
— Ana Bel será que fui acometido por alguma moléstia que
me causou uma alucinação? Não era possível a coisa estava bem aqui.
Não ouvi respostas estava sozinho e ao olhar para trás
via minha irmãzinha parada. Também a olhar para o lago. Os olhos marejados
esboçando o que viria a ser mais um de seus momentos de desespero. Sim apesar
de sempre ter sido uma menina alegre e feliz Ana Bel trazia já há algum tempo
uma enorme tristeza e uma dor muito grande trancada em seu coração.
A sombra da morte abitava a sua mente lhe mostrando uma
visão nefasta e obscura que refletia nada menos do que o fim de uma existência.
Uma alma inocente que vagava lentamente na lembrança de minha irmã. Por mais
que ela tentasse esquecer, por mais que ela não quisesse lembrar a imagem
sempre voltava nítida e viva. Seus olhos agora estavam banhados em lágrimas.
Seu rosto se contorcia em dor, ela começou a soluçar e
chorar muito. Sai de meus pensamentos e fui acudi-la só para ouvir ao chegar
até ela:
— Perdoe-me.
Ela saiu correndo e eu disse:
— Espere.
Ela parou e eu é que me desculpei por não me lembrar.
Fiquei tão absorto em meus pensamentos que acabei por me esquecer. Ela jamais
deveria ter descido comigo e ido até aquele lugar. Por vezes incontáveis dores
podem nos acometer nessa vida e elas nada mais são do que lembretes de nossa
condição frágil e imperfeita. Olhei para o seu e tudo o que pude ver foi o
cinza daquela manhã que já ia morrendo.
Abracei minha irmã com ternura e comecei a lhe fazer
carinho nos seus vastos cabelos negros. Me desculpei novamente minha mãe nos
viu e perguntou o que tinha acontecido a Miss Berkshire. E em resposta disse:
— A morte.
Foto: gallery.future-i.com
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